O Código de Defesa do Consumidor (CDC) funciona, há mais de 30 anos, como instrumento de orientação e informação para empresários, assim como um norteador de medidas preventivas nas relações de consumo.
Com o avanço sem precedentes do e-commerce e das vendas à distância na pandemia, muitas vezes a falta de clareza de um lado, ou até má fé do outro, acabaram criando situações que desequilibraram essa relação.
A advogada Sandra Regina Bruno Fiorentini, consultora jurídica e de negócios do Sebrae-SP, promoveu um verdadeiro ‘por dentro do CDC’ no evento virtual ‘Surpreenda Varejo’, realizado na última semana de agosto pelo Sebrae-SP em parceria com a Associação Comercial de São Paulo (ACSP).
Confira a seguir os 15 principais pontos do código destacados pela especialista, para ajudar a garantir as vendas e fidelizar o cliente nesse momento de recuperação da economia.
1 – DIREITOS DO CONSUMIDOR
– Proteção da vida e da saúde;
– Educação para o consumo, ou seja, deixar claro custo-benefício sem induzir ao erro. “Não dá para vender uma Ferrari para quem ainda nem tirou carta”, exemplifica a advogada;
– Escolha de produto ou serviços;
– Informação adequada e clara sobre produtos e serviços;
– Qualidade dos serviços públicos
– Proteção contra publicidade enganosa e abusiva;
– Proteção contratual;
– Acesso à justiça;
– Indenização;
– Facilitação de defesa dos seus direitos, já que ele é considerado a parte mais frágil da relação de consumo – inclusive com inversão do ônus da prova (ou seja, quem está sendo processado, no caso, o fornecedor do produto ou serviço, é que terá o encargo de apresentar as provas da situação alegada).
2 -DEVERES DO FORNECEDOR
– Informar características essenciais do produto;
– Orientar sobre seu uso e conservação;
– Informar sobre produtos ou serviços perigosos ou nocivos;
– Entregar NF ao consumidor;
– Mencionar na NF descrição minuciosa da mercadoria vendida e o estado que ela se encontra;
– Estabelecer um contrato do valor da venda com forma de pagamento, multa monetária, juros e correção monetária
– Fornecer orçamento prévio discriminado;
– Fornecer termo de garantia
Segundo Sandra Fiorentini, para aferição de confiança dos produtos ou serviços, é preciso levar em consideração a apresentação (embalagem, informações sobre uso e forma como serviço é oferecido), uso e riscos esperados, época de colocação no mercado, prazo de validade e lote.
“O cliente tem todas as informações na palma da mão, mas conhecer seus deveres ajuda a garantir os direitos do consumidor – e a evitar ônus para a sua empresa”, destaca.
3 – PROMOÇÕES
– Devem ser claras para que o consumidor possa identificá-la facilmente, com informações técnicas e cientificas para comprovação da verdade;
– Promoção de venda com preço exato do produto, ou no mínimo o preço à vista, quantidade em estoque e prazo da promoção;
– Colocar carimbo que indique que é mercadoria de promoção ou de mostruário, e na etiqueta que é produto sem troca para evitar ser vítima de consumidores de má-fé, explica a advogada.
“O consumidor tem de estar ciente desses detalhes para não alegar que comprou mercadoria danificada.”
4 – AFIXAÇÃO DE PREÇOS
– A informação sobre preços deve ser verdadeira e clara para evitar a necessidade de cálculos ou auxilio para interpretação. Ou seja, nada do tipo ‘1 x R$ 3,99’ próxima a ‘3 x R$ 11,97’;
– Legível, precisa e diretamente ligada ao produto;
– Ostensiva e sem necessidade de esforço para compreensão;
– Restaurantes, bares, casas noturnas e similares devem manter em sua entrada a relação de preços com face principal voltada para o consumidor;
– Em caso de utilização de código referencial ou de barras, o comerciante deve expor, de forma clara e legível junto aos itens expostos, informação relativa ao preço à vista do produto, suas características e código;
– No caso de divergência de preços para o mesmo produto, o consumidor pagará o menor entre eles;
“O fornecedor não pode induzir o consumidor ao erro”, destaca a consultora do Sebrae-SP.
5 – CAUTELAS DO FORNECEDOR
– Selecionar bem fornecedores e produtos que vende;
– Ficar atento ao receber as mercadorias: conferir NF, objeto, quantidade e qualidade;
– Verificar se há manuais de instrução, etiquetas etc e se já existe algum termo de garantia;
– Ter relação das empresas de assistência técnica;
– Não adquirir para revenda produtos e serviços nocivos ao usuário – exceto os que têm essa natureza
– Verificar normas técnicas, com as da ABNT e do Inmetro;
– Exigir ao seu fornecedor etiqueta têxtil com selo do Inmetro para não sofrer autuações futuras.
6 – RESPONSABILIDADES
Os fornecedores são responsáveis perante o consumidor. A responsabilidade atinge não só o defeito no produto ou serviço, como também os danos causados.
O comerciante também será responsabilizado quando não conservar adequadamente um produto perecível, ou quando o consumidor não identificar o fabricante, construtor, produtor ou importador daquela mercadoria (Responsabilidade Subsidiária – art.13 do CDC).
Como exemplos, casos conhecidos de estabelecimentos que desligam a geladeira à noite para economizar energia. “Ao comercializar produto impróprio para consumo, eles assumem o risco”, alerta Sandra.
7 – ATOS DOS PREPOSTOS
Há responsabilidade solidária quanto aos atos dos vendedores, representantes comerciais e autônomos, e o fornecedor responde por seus atos mesmo que não haja vínculo trabalhista formalizado.
Exemplo disso é o vendedor que apresenta uma proposta verbalmente: ela poderá ser cobrada e exigida pelo consumidor depois. “É preciso capacitar a equipe para não oferecer o que não é possível”, diz a advogada.
Como consequência dos atos dos prepostos, se o fornecedor se recusar a cumprir o que foi oferecido, o consumidor pode exigir o cumprimento forçado nos termos da oferta, aceitar outro produto ou serviço equivalente ou rescindir o contrato com direito a restituição dos valores pagos, além de perdas e danos.
8 – DIREITO DE ARREPENDIMENTO
O consumidor tem direito de arrepender-se da compra ou contratação no prazo de 7 dias contados a partir do recebimento do produto ou assinatura do contrato, e sempre que ela se dê fora do estabelecimento comercial, com direito à devolução do valor pago com correção monetária, explica a advogada.
Com a pandemia e a necessidade de vender à distância por questão de sobrevivência, o lojista teve de ficar atento a alguns custos gerados pela prática, como pagar frete de retorno da mercadoria e devolver o dinheiro.
Mas é preciso tomar cuidado, pois há consumidores de má-fé que usam o produto e depois devolvem apoiados nesse direito. “Um comerciante de vestidos de festa reduziu em 25% esse tipo de devolução ao colocar etiquetas no meio da peça: se o cliente quer usar, vai ter que cortar. E sem direito à troca”, conta.
LEIA MAIS: 4 situações em que o lojista está com a razão
Para evitar desequilíbrio financeiro, Sandra orienta a colocar na ponta do lápis quantas devoluções do tipo são feitas por semestre, e o custo disso para o caixa da empresa. “Basta diluir esse custo nas próximas vendas.”
Também é importante deixar clara a política de trocas e direito ao arrependimento, informando que a devolução deve ser feita com etiqueta, embalagem original e prazo, para a prática não virar ‘tortura’.
Se o cliente concordou, não tem por que trocar. E se os produtos que sempre geram reclamação vêm do exterior, por exemplo, troque o fornecedor. “Quanto mais clara a relação do consumo, melhor.”
9 – VÍCIOS OCULTOS
Quando o vício surge com a utilização do produto ou serviços, o CDC permite que o consumidor exerça o direito de reclamação. Neste caso, a contagem tem início no momento em que for constatado o defeito, com prazo de reclamação de 30 dias para bens não-duráveis, e de 90 para bens duráveis (como eletrodomésticos).
Exemplo disso é o recall, um problema recorrente da indústria automobilística. “Quando a indústria consegue constatar que o equipamento tem defeito no uso, substitui mesmo passado o prazo de garantia”, afirma.
Além da garantia legal, os produtos precisam de uma garantia contratual complementar: pelo CDC, o comerciante tem 30 dias para resolver, ou seja, enviar para o fabricante sanar o vício.
Mas fique de olho: pelo CDC, o fornecedor responde solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade, que os tornem impróprios ou inadequados para consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor.
Também são responsáveis pelos vícios decorrentes de disparidade das indicações constantes na rotulagem ou mensagem publicitária, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.
Se o vício não for resolvido em 30 dias, o consumidor pode exigir, à escolha, substituição por outro da mesma espécie em perfeitas condições de uso ou reexecução do serviço sem custo adicional, restituição imediata da quantia paga, atualizada e sem prejuízo de eventuais perdas e danos, ou abatimento proporcional ao preço.
10 – PREÇO É ÚNICO
Para incentivar o consumidor a comprar, o comerciante pode dar desconto para quem paga em dinheiro à vista, segundo a advogada. Já a prazo o valor pode subir um pouco quando se financia o cliente – como avisar e incluir os juros da operadora no preço quando a compra é parcelada no cartão, por exemplo.
O que é ilegal é cobrar mais caro quando o consumidor pede nota fiscal. “A empresa pode ser autuada por crime de sonegação”, avisa a consultora do Sebrae-SP.
No caso do MEI, que paga apenas R$ 1 a título de ICMS, mas tem medo de estourar o limite de faturamento anual, fique atento: além de a Secretaria da Fazenda querer saber se o seu fornecedor paga imposto, também quer saber se você, como comerciante, fez essa compra de um fornecedor ‘alternativo’, alerta.
11 – CONDUTAS CONSIDERADAS ABUSIVAS
– Condicionar o fornecimento de produto ou serviços (crime sob pena de 2 a 5 anos de prisão e multa);
– Limitação de quantidade;
– Recusa de venda (crime sob pena de 2 a 5 anos de prisão e multa);
– Envio de mercadoria ou prestação de serviços sem solicitação do consumidor;
– Abusar da fraqueza ou ignorância do consumidor;
– Levar vantagem excessiva;
– Não fornecer orçamento prévio;
– Repassar informação depreciativa sobre o consumidor;
– Colocar no mercado produto ou serviço em desacordo com as normas técnicas;
– Deixar de fixar prazo para o cumprimento de obrigações;
O CDC proíbe a execução ou promoção de publicidade enganosa ou abusiva, e prevê pena de três meses a um ano de prisão, além de multa, a quem incorrer na prática, lembra a consultora do Sebrae-SP.
12 – COBRANÇA DE DÍVIDAS
O fornecedor pode usar todos os meios legais para cobrar dívidas, desde que o consumidor não seja exposto ao ridículo nem submetido a constrangimento ou ameaça (Lei 8078/1990, art.42 § único e art.42 – A).
13 – PROTEÇÃO CONTRATUAL
São nulas as cláusulas contratuais relativas aos produtos e serviços que:
– impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza de produtos e serviços que impliquem renúncia ou disposição de direitos;
– subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga nos caso previstos no CDC, ou transmitam responsabilidades a terceiros;
– estabeleçam condições consideradas iníquas ou abusivas e que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam compatíveis com a boa-fé ou equidade;
– estabeleçam inversão de ônus da prova em prejuízo do consumidor;
– obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor
– autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato após sua celebração.
14 – NÃO É CONSIDERADA RELAÇÃO DE CONSUMO
– Entre locador e locatário;
– Entre condôminos e condomínio;
– Entre franqueado e franqueador;
– Entre empregado e empregador
“Relações não contempladas pelo CDC são decididas em conformidade com o Código Civil”, diz a advogada.
15 – CDC NA PRÁTICA
Estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços são obrigados a manter um exemplar do CDC em local visível e de fácil acesso ao público. O não-cumprimento implica em penalidades e multa até R$ 1.064,10.
FONTE: Diário do Comércio