A massa real de salários terá um acréscimo de cerca de R$ 180 bilhões neste ano devido ao auxílio emergencial. O fim da ajuda aos mais pobres fará economia esfriar, de acordo com economista
Por Fátima Fernandes
Jornalista especializada em economia e negócios e editora do site Varejo em Dia
Faltam apenas dois meses para o Natal e o que os comerciantes mais querem saber é: vai dar para repor as perdas de receita decorrentes da pandemia? Como será o consumo em 2021?
São perguntas daquelas que valem US$ 1 milhão, como se costuma dizer, pois são de difíceis respostas. Até os economistas mais palpiteiros, desta vez, temem arriscar nas projeções.
O fato é que, após meses de faturamento zerado, os comerciantes começam a ver o caixa encher mês a mês. É o caso da MOB, rede de 34 lojas especializada em roupas femininas.
Em maio, a receita da empresa representou 24% de um mês considerado normal de vendas, antes da pandemia. Em junho, 40%, em setembro, 68%, e, neste mês, quase 75%.
Tudo indica, de acordo com Ângelo Campos, CEO da MOB, que as vendas neste final de ano serão 20% menores do que as de igual período do ano passado.
Os lojistas de um dos bairros mais tradicionais do comércio de São Paulo também veem a clientela voltar, aos poucos.
“O último sábado foi muito bom para o bairro, mas as vendas continuam cerca de 50% menores, em média, em relação a igual período do ano passado”, afirma Nelson Tranquez, vice-presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) do Bom Retiro.
Um sinal de que os negócios estão melhores na região, diz ele, é a reabertura de dezenas de pontos comerciais que estavam com tapumes durante meses.
Em fevereiro, havia 65 lojas fechadas nas principais ruas do bairro. Em julho, 190. Hoje, este número está mais perto de 150.
Na Rua José Paulino, a principal do Bom Retiro, que chegou a ter aproximadamente 50 lojas fechadas nos primeiros meses da pandemia, diz Tranquez, agora tem cerca de 20.
DEMANDA ARTIFICIAL
Em praticamente todos os setores do varejo há alguma retomada nos negócios, de acordo com vários indicadores.
Mas essa reação, de acordo com Fábio Silveira, sócio-diretor da MacroSector Consultores, está amparada no auxilio emergencial dado pelo governo.
Antes da ajuda às famílias mais carentes, a expectativa de queda da massa real de rendimento dos brasileiros era da ordem de 7% neste ano devido aos efeitos da pandemia.
Com os recursos oferecidos aos mais pobres, a queda deve ser de 0,5%, de acordo com cálculos de Silveira.
Isto é, a massa real mensal de salários dos trabalhadores sem o auxílio seria da ordem de R$ 211,5 bilhões em 2020. Com a ajuda financeira, este número sobe para R$ 226,3 bilhões.
São quase R$ 15 bilhões a mais por mês ou R$ 180 bilhões a mais no ano. “Se a economia não tivesse a injeção desse dinheiro novo, teria uma queda abrupta neste ano”, diz o economista.
O país pode viver neste final de ano, diz ele, o que pode se chamar de demanda artificial, ancorada em um programa com dia e mês para terminar, 31 de dezembro.
“Vai ser um Natal de ilusão monetária por conta da transferência de renda. A base da pirâmide dos paupérrimos sustenta a camada da economia composta pelos pobres e pela classe média.”
PRESSÃO DOS ALUGUEIS
A volta dos clientes às lojas é só um dos desafios enfrentados pelos lojistas neste final de ano com pandemia.
“As vendas estão melhorando, mas um grande problema no momento são as difíceis discussões com os administradores de shoppings”, afirma Campos, da MOB.
“Eles querem subir o aluguel, o condomínio, o fundo de promoção, num momento em que ainda precisamos de fôlego.”
O embate chegou a tal ponto que um grupo de lojistas discute a possibilidade de fazer um manifesto público, por meio de um informe publicitário, para expor a “real situação das lojas.”
O maior problema neste momento, dizem, são os reajustes dos alugueis, baseados no IGP-M, índice que supera os 17% na variação anual.
Os shoppings, de acordo com os lojistas, não gostam de realizar negociações coletivas e, geralmente, em casos individuais, o embate acaba indo para a Justiça.
A MOB, por exemplo, discute na Justiça com o grupo Iguatemi isenções de multas por conta do fechamento de três lojas em shoppings da empresa.
De acordo com Campos, o custo de uma operação em um centro comercial está inviável. “Os shoppings precisam ser parceiros dos lojistas, reduzir o aluguel ao menos temporariamente.”
PRESSÃO DOS INSUMOS
Os aumentos de preços das matérias-primas, como tecidos de algodão, jeans, elásticos, também travam as discussões entre os lojistas e os seus fornecedores.
Há casos de aumentos de até 50%, como de sacolas plásticas, de acordo com lojistas.
Essa é uma situação que pode levar à falta de alguns produtos no final do ano, mesmo com vendas em patamares menores.
Neste período em que as lojas de roupas deveriam estar a todo vapor com a exposição e vendas da coleção Primavera-Verão, a situação é outra.
As sobras do verão passado estão sendo misturadas com peças novas. É a maneira que os lojistas encontraram para não elevar os preços e até manter alguns produtos em promoção.
“Numa época em que as lojas deveriam estar apenas com a nova coleção de verão, elas estão com roupas de várias estações. Esta é a pior crise que já enfrentei em 35 anos”, diz Campos.
Se o governo decidir estender o auxílio emergencial para 2021, aí tem outra barreira para o país enfrentar, o aumento da dívida pública.
Este número já está na casa dos R$ 600 bilhões, ou 8,4% do PIB (Produto Interno Bruto), devendo chegar a R$ 845 bilhões (11,8% do PIB) até o final do ano, de acordo com Silveira.
O aumento da dívida pública, diz o economista, assusta investidores, pode elevar o risco-país e ainda levar o governo a subir a taxa básica de juros, a Selic, para poder financiá-la.
“Se o governo subir os juros, a economia dá marcha à ré, não tem jeito”, diz.
São equações difíceis que o governo e os empresários terão de enfrentar.
“Qual é a minha expectativa? Não tenho, prefiro viver o dia a dia”, diz Campos.
FONTE: Diário do Comércio