Em meio à miríade tecnológica que muitos varejistas estão adotando em suas lojas físicas, o bom e velho atendimento pessoal ainda é o que mais cativa os consumidores na hora de escolher onde realizar as suas compras.
É o que revela um levantamento realizado pela Associação Comercial e Industrial de Campinas (Acic). No total, três situações foram apresentadas para cada entrevistado. O primeiro questionamento mostrou que 78% dos participantes preferem um atendimento humano de qualidade ao autoatendimento.
Na sequência, o entrevistado deveria indicar quanto o atendimento influencia no processo de compras – 93% responderam muito ou totalmente.
Por fim, levando em consideração a atual situação econômica do país, os entrevistados foram questionados sobre ocasiões em que deixaram de comprar um produto ou contratar um serviço em virtude de um mau atendimento. Ao todo, 81% dos participantes afirmaram já ter desistido de uma compra por este motivo.
Os dados foram divulgados na quinta-feira (26/04), por Leandro Diniz, gerente executivo da Acic, durante o 6º Fórum Regional do Varejo, em Campinas, que reuniu cerca de dois mil empresários.
De acordo com Diniz, com base neste resultado, a entidade planeja dobrar o número mensal de empresários e funcionários das companhias que recebem treinamento para qualificação profissional pelo AC Qualifica. Criado em 2017, o curso é gratuito e ministrado por professores universitários e consultores especializados em atendimento.
A pesquisa também serviu como gancho para os painéis apresentados durante o evento, que neste ano teve como tema “Um Olhar Estratégico Para o Fator Humano no Varejo”.
Executivos de grandes empresas, como Leroy Merlin, RaiaDrogasil, 5àsec e Grendene, debateram sobre os desafios de preparar colaboradores frente às inovações tecnológicas e às constantes mudanças que impactam o universo varejista.
EMPODERANDO COLABORADORES
Em contato constante com os clientes, Charles Schweitzer, diretor de inovação da Leroy Merlin, acredita que ninguém melhor que os próprios colaboradores para perceber quais são as reais necessidades dos consumidores. Por isso, a companhia passou a dar mais abertura à opinião de seus empregados.
Em uma dessas conversas, Schweitzer soube que muitos dos clientes que chegavam à loja com seus animais de estimação utilizavam os carrinhos que possuem uma espécie de bercinho para bebês para acomodar seus cães.
O executivo foi alertado pelo funcionário de que eles precisavam pensar num novo formato para receber melhor esse público.
A ideia era criar um carrinho para os pets, imitando uma casinha de cachorro portátil. Hoje, a solução está disponível em todas as unidades da rede e é muito bem avaliada.
Outra ideia veio de um assessor de vendas de uma loja num dos bairros mais pobres em que a varejista está instalada, em Bangú, no Rio de Janeiro.
Schweitzer diz que, após algumas semanas de sua contratação, o funcionário, que é apaixonado por futebol, sugeriu que criassem a figura do capitão do atendimento.
O objetivo era criar uma braçadeira que transferia ao colaborador uma única e exclusiva obrigação, a de atender clientes.
Ele não poderia arrumar prateleiras, arrumar a loja, abastecer as gôndolas e pra ir ao banheiro, precisaria passar a braçadeira para outro vendedor. Uma lógica parecida com a desempenhada pelo capitão dentro do campo de futebol. O resultado desta novidade foi um crescimento de 3% na pesquisa de satisfação dos clientes.
Outro colaborador aproveitou um evento anual produzido pela empresa para expor uma constatação. Por se tratar de uma loja de material de construção, muitos clientes compram diversos produtos que precisam de um certo improviso para caber dentro carro sem danificações.
Atento a essa dificuldade, ele sugeriu que todos os produtos de marca própria para amarração de carga ficassem próximos ao caixa com anúncios autoexplicativos.
“Ele simplesmente duplicou a venda desses itens. Houve um aumento de 162% nas compras de produtos para essa finalidade”, diz. “As três soluções foram criadas sem nenhum suporte tecnológico, apenas observando a necessidade do cliente e tendo empatia”.
HUMANIZAÇÃO DO ONLINE
A importância de um bom atendimento dentro das lojas físicas também tem seu valor no mundo online. Em tempos de chatbots (software que trabalha e gerencia as trocas de mensagens em e-commerce e redes sociais), há quem prefira um atendimento mais humanizado mesmo por trás das telas.
Para Felipe Dellacqua, diretor de vendas da Vtex, empresa de tecnologia para varejo, os varejistas precisam entender que hoje em dia, o processo de decisão de compra está muito mais pautada em serviço, do que em preço.
Embora a importância de uma plataforma e-commerce e a adoção de novas tecnologias seja indiscutível, Dellacqua acredita que os vendedores de loja também têm muito potencial para o atendimento online.
Entre as sugestões feitas pelo especialista, uma em particular se dirige para os lojistas de shoppings. Habituados com a oscilação dos horários de pico dentro destes estabelecimentos, é natural que muitos passem boa parte do dia ociosos sem a presença de clientes no loja.
Dellacqua acredita que os vendedores podem criar uma agenda de clientes no Facebook ou Whatsapp e passar a se comunicar com eles nesses momentos mais tranquilos, enviando promoções, condições especiais e novidades. “A concorrência mudou e hoje, é por serviço, não mais por preço”, diz.
Na avaliação de Alencar Burti, presidente da Associação Comercial de São Paulo (ACSP) e da Federação das Associações Comerciais do Estado de São Paulo (Facesp), é preciso conectar experiências físicas e digitais para proporcionar mais conveniência ao consumidor.
“Sou do tempo em que o varejo mudava a cada ano. Hoje, as coisas mudam a cada hora e os hábitos de consumo se transformaram”, diz. “É preciso estar atento a tudo que surge, mas, a capacidade de ser humano e ser criativo vai muito além da tecnologia”.
PREÇO X SERVIÇO
O pensamento de que muitos consumidores estão dispostos a gastar um pouco mais para ser bem atendidos foi compartilhado por todos os empresários que se apresentaram no fórum.
Adriana Flosi, vice-presidente da Acic, destacou que hoje em dia, há muita similaridade na qualidade dos produtos e também na oferta de preços. Portanto, passa a levar vantagem a empresa que se diferencia no atendimento.
Um bom exemplo desse raciocínio foi citado por Maurício Morgado, especialista em varejo da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Em sua apresentação, Morgado exibiu um vídeo em que uma garotinha de dez anos aparece ganhando um presente de sua mãe.
Ao abrir a caixa, a menina chora de felicidade ao ver que ganhou uma American Girl, marca de boneca tradicional nos Estados Unidos, exatamente igual à ela – com uma prótese rosa na perna direita.
A encomenda ainda chegou com uma carta, que dizia o seguinte: “Depois de algumas semanas de treino para que conseguisse andar e correr com sua nova prótese, a boneca está pronta para ir para casa e viver uma vida sem limitações com você”.
FONTE: Diário do Comércio