Comportamento do consumidor, especialmente dos mais jovens, mudou. Eles passaram a se preocupar com questões de sustentabilidade e rechaçar o consumismo desenfreado, combinada a uma crise econômica que se prolonga no país
Informações do Serviço Brasileiro de Apoio à Micro e Pequena empresa
O e-commerce já se consolidou como um canal de compras do brasileiro. Ainda não chega ao nível dos consumidores dos Estados Unidos ou dos asiáticos, mas na América Latina, o Brasil é o país com e-commerce de maior faturamento, R$ 26 bilhões no primeiro semestre de 2019, de acordo a 40ª edição da pesquisa WebShoppers, da e-Bit/Nielsen.
Ainda conforme a Webshoppers, 36% da população é ‘digital buyer’, ou seja, faz compras online com frequência. A previsão da e-Bit/Nielsen para 2019 é um aumento de 12% no faturamento do comércio online brasileiro, chegando perto de R$ 50 bilhões.
Mas a mudança de comportamento do consumidor, especialmente os mais jovens, que passou a se preocupar com questões de sustentabilidade e rechaçar o consumismo desenfreado, combinada a uma crise econômica que se prolonga no país, fez com que os brasileiros passassem a considerar a compra de itens usados.
Levantamento da CNDL/SPC divulgado em setembro deste ano registrou que 28% daqueles que fizeram compras pela internet nos últimos 12 meses adquiriram pelo menos um item usado. Os produtos mais comprados foram celulares/ smartphones (29%), eletrônicos (27%), roupas e sapatos (26%), eletrodomésticos (18%), móveis (17%), além de brinquedos e artigos infantis (16%).
A Trocafone chegou a R$ 210 milhões de faturamento justamente no nicho de celulares/smartphones usados. Com três escritórios – São Paulo, Buenos Aires e Moscou – a empresa contabiliza a comercialização de 1 milhão de aparelhos seminovos desde que foi criada.
“Nós realizamos uma arbitragem entre classes sociais, adquirindo celulares da classe A/B, que são trocados a cada 12 meses. Nesse processo vendemos para os grupos C e D, democratizando o acesso aos smartphones”, explica Guille Freire, CEO da Trocafone.
Freire conta que o maior desafio para eles é certificar a procedência dos aparelhos e fazer um diagnóstico correto de seus status. “Também consultamos o Imei de cada aparelho captado para saber se ele aparece na lista de aparelhos reportados como roubados ou perdidos. E estamos sempre em busca de novas formas de otimizar essa análise”, detalha.
A Trocafone começou há apenas cinco anos, como startup, nascida de uma experiência ruim de Freire. Após ter seu telefone roubado, ele decidiu repor a perda com um aparelho usado e se deparou não apenas com uma grande dificuldade para essa compra, como ainda foi bastante frustrante ter adquirido um produto sem condições de uso.
A compra malsucedida feita por Freire é um dos motivos temidos pelos consumidores ao adquirir um item usado. Na pesquisa CNDL/ SPC, entre os consumidores que não fizeram nenhuma compra de usados na internet, quase um terço alegou que tem medo de ser enganado quanto ao real estado do produto. A Trocafone foi uma referência para Gabriel Bollico, fundador do site Meu Game Usado.
O jovem de Araucária, cidade da região metropolitana de Curitiba, criou o e-commerce de jogos e consoles usados para resolver um problema do seu e-commerce de novos, que era dar giro para as devoluções de produtos motivadas por compras erradas. E, como ele diz, “a criatura ficou maior que o criador”. A maior parte do faturamento de Bollico ainda vem da venda de produtos novos, a ShopB, mas o canal criado para os usados registra a melhor margem de lucro, entre 70% e 100%, enquanto os novos não passam de 14% de margem.
Na avaliação do empresário, o cenário também ajudou. O Meu Game Usado foi criado em 2015, no começo da crise econômica e quando o dólar começou a subir, assim como o desemprego. “Aproveitamos esse momento em duas frentes: entre as pessoas que precisavam fazer um dinheiro e entre as que queriam comprar mais sem gastar muito. Todo mundo ficava feliz”, avalia.
O Meu Game Usado vende e compra produtos de todo o País. Parte da equipe de 45 funcionários está dedicada aos reparos técnicos e manutenções do produto para garantir a venda de itens em bom estado. A qualidade do trabalho deu origem a um novo braço da empresa, que será lançado em breve, que é um curso de técnica e manutenção de eletrônicos online. Bollico também lançou, em abril, um serviço de assinaturas de games e consoles, o que garante ganho recorrente.
CIRCULANDO
Mais do que conquistar o consumidor pelo bolso, a engenheira mecânica aposentada Márcia Silva apostou nos usados como negócio de olho na sustentabilidade. Após uma carreira no mercado financeiro, Márcia planejou empreender, mas queria que a atividade funcionasse como uma retribuição à sociedade. “Tive pessoas que me ajudaram muito na minha vida, que me deram oportunidade, e queria retribuir isso”, diz.
Hoje, com o site Nossas Coisas, Márcia percebeu que consegue ajudar duas partes em cada venda: “Resolvo um problema tanto dapessoa que está vendendo como de quem está comprando”. Por isso, Márcia faz questão de enviar uma foto do comprador usando o item comprado no site para a pessoa que o vendeu. “Quero passar a sensação do impacto na vida das pessoas”, conta ela, mostrando a foto de uma jovem que comprou uma câmera fotográfica pelo site para se dedicar ao hobby que pode virar profissão e a de uma família que comprou uma caminha para o filho que já não cabia mais no berço.
Fundado há um ano e meio, o Nossas Coisas já recebeu quase 4,5 mil itens de 48 fornecedores. Grande parte é de roupas, sapatos e bolsas, mas há móveis, itens de decoração, jogos, artigos esportivos ou automotivos e livros.Adepta ao minimalismo – estilo de vida que dispensa o acúmulo e o exagero e prega ter apenas aquilo que realmente precisamos ou usamos –, Márcia conta que sempre questiona o comprador se realmente ele precisa daquele item e para pensar melhor antes de efetuar a compra. “O propósito contamina as pessoas”, acredita.
Os itens para a venda devem estar em bom estado (não aceita nada quebrado, rasgado, furado ou malconservado). As peças de vestuário são enviadas para a lavanderia e ela finaliza embalando para envio. “Sabemos que são peças usadas, mas não precisam parecer usadas.”
Há apenas quatro meses o negócio começou a dar lucro – 60% é doado para instituições. Em dois meses, o e-commerce vai ser desenquadrado da categoria MEI e passará a ser ME, o que coincide com os planos da empreendedora de continuar crescendo com o Nossas Coisas.
“Quero ser grande. Ainda não sei se ampliando por conta própria, com sócios ou via modelo de franquias, mas a condição é que conserve o mesmo propósito.”
Márcia também acabou de fechar uma parceria com uma startup para fazer entregas e testa há pouco tempo a venda direta no espaço físico da empresa, que abre, por enquanto, duas vezes por semana.
FONTE: Diário do Comércio